A Palavra e a sua intenção
- Espaço Teares
- 21 de dez. de 2023
- 3 min de leitura
Atualizado: 15 de mar. de 2024

A brilhante compreensão de Lacan nos diz que, somos seres constituídos a partir da palavra, da palavra do outro, do outro que nos nomeia, nos aponta, nos marca e nos conduz. Saber disso nos possibilita refletir e elaborar acerca do nosso lugar de sujeito em um mundo tão complexo e truncado justamente pela palavra do outro. O que determinada pessoa que nos fala, nos aponta, realmente que dizer, voluptuosamente quer implicar ou exprimir de nós.
Palavras podem ser doces e bondosas, ásperas e cruéis, sendo como for e produzindo a intenção do emissor, elas tendem a nos atravessar das mais variadas formas possíveis produzindo os mais variados efeitos sob o sujeito.
A palavra pode causar dor, machucar, agredir, desestabilizar e mal dizer, pode demonstrar toda a dureza e falta de humanidade de determinado indivíduo para com outro. Por outro lado ela poderá trazer alívio, contornar, construir, estabilizar e bem dizer, produzindo leveza e compartilhando humanidade. Mas qual é o valor real daquilo que dizemos e escutamos? Como esse livre acesso a fala e as palavras nos molda e nos produz sujeito? É um trabalho hercúleo tentar valorar as falas e palavras que saem da boca de alguém, pois entre o que A diz e B entende e repassa para C existe uma Odisséia fantástica. A viagem das possibilidades, dos desencontros, dos desentendimentos que acabam por truncar o entendimento do que se fala e do que se escuta. Talvez escutar algo que nos apeteça seja muito mais agradável do que escutar algo que nos destitui, tal dinâmica acaba por corroborar com os mal-entendidos da linguagem. Quando pensamos no processo de desenvolvimento do indivíduo e retornamos para a alfabetização, é precioso analisar os sentimentos e movimentos gerados na cabeça de um infante, que através da linguagem falada, da palavra, da letra, do fonema, se enxerga imerso a um Universo novo de possibilidades. É interessante pensar nessas possibilidades, Ferenczi discorre em seu texto “Confusão de língua entre os adultos e a criança" justamente acerca desse hiato existente entre o adulto, no caso emissor da palavra, do cuidado, do amparo e da criança que resta aberta as mensagens, ao cuidado e ao amparo de seu emissor, mas nessa dinâmica ocorre muitos equívocos, pois a estrutura do infante é muito promissora, mas precária ainda, já o adulto trabalha com um vasto e sedimentado arcabouço de linguagens, não somente escrita, mas falada, emocional e essa disparidade acaba por afetar a criança que levará essa experiência para a vida adulta. Freud disse uma vez, “O homem é dono do que cala e escravo do que fala”, isso é muito real e compreensivo, mas será mesmo que em pleno século XXI, confrontando e vivenciando todo esse desconcerto angustiante que se mostra através da fome real, não somente de palavras e simbólico, mas da fome de perspectiva, de oportunidades, o homem tem realmente se mantido calado diante daquilo que o humaniza e em contra partida tem sido escravo daquilo que diz e manifesta nas redes sociais, na terra de ninguém onde tudo se fala, tudo é lícito falar, onde a verborragia desumana e impiedosa acontece sem nenhum tipo de crivo ético, de sensibilidade para com aqueles que não tem voz, para aqueles que não acessam as palavras, aqueles subjugados em um sistema que produz a fala muda, a palavra vazia, o emudecimento de si e de sua humanidade. Reflitamos até que ponto realmente somos donos do que calamos e mais ainda escravos do que falamos, isso é tremendo, restar preso, imóvel a falas e palavras ditas por outrem ou por nós mesmos, palavras que nos imobilizaram e nos deixaram amarrados em nossos próprios complexos e angústias individuais e coletivas. Ser escravo do que se diz, parece ser uma questão de escolha, agora ser escravo do não dito, do não simbolizado, da fome ética, da violência, do desamor, dos maus tratos é algo devastador, que tem tirado da palavra o poder de construir, de elaborar, de se encontrar e se tornar sujeito. Assim é a palavra, ela constrói, ela destrói, ela cria, ela estagna, ela é bela, ela é bruta, ela diz de alguém e diz de muitos, pertence a indivíduos e a legiões, ela acaba sendo o ponto de encontro e partida do indivíduo e dos coletivos. Isso me faz recordar da composição de Antonio Carlos de Morais Pires e Marisa de Azevedo Monte, a qual diz Palavras, apenas
Palavras, pequenas
Palavras, momentos
Palavras, palavras, palavras, palavras
Palavras ao vento.. Esse trecho demonstra que elas, as palavras, possuem uma fluidez, uma dinâmica própria, repleta de possibilidades, das quais os sujeitos tomaram para si e as utilizam da maneira que mais se relacionam sua intenção, com seus desejos, sonhos, perspectivas e angústias.
Rodolfo Pelegrini
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