top of page

Política Nacional de Saúde Mental: embates, avanços e retrocessos

  • Foto do escritor: Espaço Teares
    Espaço Teares
  • 5 de jul. de 2018
  • 4 min de leitura


pintura de Franz Marc
Franz Marc

Vivemos um momento de intensa disputa em relação às políticas públicas. É imanente a este campo a convivência de interesses, ações e conflitos diversos, porém o que tem dominado o presente é a precarização no que se refere a incentivos financeiros e a aplicação de recursos nas políticas de saúde, educação, meio ambiente, etc. No que se refere à política de Saúde o processo de desconstrução vem se intensificando nos últimos anos com a insuficiência de trabalhadores, de insumos, de serviços, de projetos políticos consistentes e articulados com outros setores. Neste contexto, a política de Saúde Mental é um exemplo de resistência e de lutas que vem enfrentando recentes investidas.


Na década de 80 o movimento da Reforma Psiquiátrica promoveu denúncias em relação aos maus tratos sofridos pelos usuários, o abuso de poder que circulava nas instituições, o sequestro dos direitos de expressão, de liberdade e de respeito. Desde então, decorreu um longo processo que incluiu trabalhadores e sociedade contra a exclusão e a estigmatização da ‘loucura’, com a conquista do fechamento de grande parte dos manicômios e a construção de uma rede substitutiva ao modelo centrado na internação.


Em 2011 o decreto 7.508/11 instituiu a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) que estabeleceu serviços e equipamentos variados para o atendimento de pessoas em sofrimento mental, incluindo os efeitos nocivos derivados do uso de crack, álcool e outras drogas (Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), Unidades de Acolhimento, Centros de Convivência e Cultura, dentre outros). A RAPS deve conter, no mínimo, ações e serviços de atenção primária; urgência e emergência; atenção psicossocial; atenção ambulatorial especializada e hospitalar e vigilância em saúde. Esta configuração propõe um cuidado transversal, que atende as necessidades dos usuários nos variados níveis de atenção, norteado pela perspectiva da inclusão, da articulação em rede e da integralidade. A luta antimanicomial produziu mudanças significativas no cuidado à saúde mental com a criação de ofertas como o consultório na rua, as residências terapêuticas, iniciativas de geração de trabalho e renda, dentre outras intervenções com foco na singularidade e autonomia do usuário. Ademais, o movimento pela desinstitucionalização provocou discussões sobre a loucura e o sofrimento mental junto à sociedade, colaborando para outras sensibilidades e percepções sobre o tema.


No final do ano passado, a Política Nacional de Saúde Mental sofreu alterações importantes aprovadas pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT) – instância de articulação e pactuação na esfera federal constituída por gestores do SUS indicados pela esfera do Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass) e Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems). O conjunto de diretrizes que compõe a Resolução n⁰ 32 representa uma ameaça de retrocesso à Política Nacional de Saúde Mental, decidida por um pequeno grupo que ignorou as manifestações de repúdio de entidades ligadas ao movimento antimanicomial, trabalhadores, usuários e familiares.

As novas diretrizes apresentadas nesta Resolução do Ministério da Saúde apresentam pontos críticos e contraditórios, tais como: proibição da ampliação da capacidade já instalada de leitos psiquiátricos em hospitais especializados e reajuste do valor das diárias; qualificação e expansão de leitos em enfermarias especializadas em hospitais gerais. Propostas que fortalecem a lógica da internação e do cuidado fora do território, fora do espaço de convivência do usuário. Além destes pontos, a Resolução propõe a criação de Equipes de Assistência Multiprofissional em Saúde Mental, que parece uma retomada dos antigos ambulatórios especializados, ferindo a aposta no cuidado construído no território, baseado no vínculo e na responsabilização dos usuários pela atenção básica em parceria com outros serviços da rede. Dentro da resolução aparece também a ampliação de comunidades terapêuticas credenciadas de 4 mil para 20 mil, evidenciando o fortalecimento dessa aposta por parte do governo em detrimento da Política de Redução de Danos.


Como destaca Paulo Amarante: “Os interesses são da medicina privada, retrógada – porque existe medicina que investe em outras áreas, outros setores, outras prioridades –, é fundamentalmente o retorno às instituições privadas de manicomialização. Os manicômios, os hospitais psiquiátricos, o aumento das enfermarias psiquiátricas nos hospitais gerais, para 60 leitos, já é o mini-manicômio; os ambulatórios psiquiátricos medicalizantes, prescritores de medicamentos, não fazem outra coisa senão isso; as comunidades terapêuticas (..)O mundo inteiro está se democratizando e vendo que a guerra às drogas, a repressão, a criminalização dos usuários foram ineficazes, aumentaram a violência. O Brasil está andando na contramão de toda a história” (https://www.analisepoliticaemsaude.org/oaps/boletim/edicao/15/).

O Conselho Federal de Psicologia se manifestou contrário a tais mudanças, destacando o risco de desconstrução de uma rede de cuidados apoiada pela participação social e sua substituição gradativa pelos interesses privados e guiados pela lógica do lucro e da psicopatologização. O Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP) está organizando uma pesquisa nacional sobre a Rede de Atenção Psicossocial junto à psicólogas/os com o objetivo de produzir visibilidade para as práticas e estratégias inspiradas pela luta antimanicomial. Esta iniciativa é fundamental para ampliar o debate e potencializar a defesa das políticas públicas em tempos de desarticulação e ameaças que colocam em risco a liberdade, a criatividade e a autonomia dos sujeitos e da produção do cuidado (Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, 2018)


Ana Cristina Sundfeld


REFERÊNCIAS:

Boletim – Projeto Análise de Políticas de Saúde no Brasil (2013-2017), ano 4, edição 15, janeiro/fevereiro 2018. Disponível em < https://www.analisepoliticaemsaude.org/oaps/boletim/edicao/15/>. Acesso em 29 jun 2018.

CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DE SÃO PAULO, Jornal Psi, n. 192, maio/junho/julho, 2018.

Comments


Tire suas dúvidas pelo WhatsApp

Sandra - (11) 97685-5954

Nádia  - (11) 98371-9909

  • Branco Facebook Ícone
bottom of page